As causas principais da “crise” da água segundo alguns especialistas, são muito mais de gerenciamento do que uma crise real de escassez e estresse (Rogers et al., 2006). Entretanto, para outros especialistas, é resultado de um conjunto de problemas ambientais agravados com outros problemas relacionados à economia e ao desenvolvimento social (Gleick, 2000). Para Somlyody & Varis (2006), o agravamento e a complexidade da crise da água decorrem de problemas reais de disponibilidade e aumento da demanda, e de um processo de gestão ainda setorial e de resposta a crises e problemas sem atitude preditiva e abordagem sistêmica.
O Brasil, com 14% da água do planeta, possui, entretanto, uma distribuição desigual do volume e disponibilidade de recursos hídricos: enquanto um habitante do Amazonas tem 700.000 m³ de água por ano disponíveis, um habitante da Região Metropolitana de São Paulo tem 280 m³ por ano disponíveis. Essa disparidade traz inúmeros problemas econômicos e sociais, especialmente levando-se em conta a disponibilidade/demanda e saúde humana na periferia das grandes regiões metropolitanas do Brasil: esse é um dos grandes problemas ambientais deste início de século XXI no Brasil. Portanto, saneamento básico, tratamento de esgotos, recuperação de infra-estrutura e de mananciais são prioridades fundamentais no Brasil. Outra prioridade é avançar na gestão dos recursos hídricos com a consolidação da descentralização e da governabilidade com a abordagem de bacias hidrográficas. Nesse caso, a interação entre disponibilidade/demanda de recursos hídricos com a população da bacia hidrográfica e a atividade econômica e social, considerando-se o ciclo hidrosocial, é também fundamental e de grande alcance para o futuro. A grande disponibilidade de água em certas regiões do Brasil deve ser considerada, sem dúvida, um enorme recurso natural a ser utilizado para o desenvolvimento econômico regional, para o estímulo à economia e para a promoção de alternativas adequadas para o desenvolvimento, baseadas no ciclo hidrossocial.
Recursos hídricos no Brasil: prioridades para governança, conservação e recuperação.
A revitalização de rios, lagos e represas em muitas regiões do Brasil, especialmente no Sudeste, pode também promover estímulos econômicos e recuperar o ciclo hidrossocial. Nessas regiões impactadas do Sudeste com um passivo ambiental muito alto, a revitalização pode promover geração de emprego e renda, novas oportunidades de usos múltiplos e gerar uma indústria de novas e promissoras tecnologias para gestão (monitoramento avançado, consultorias, formação de recursos humanos). É fundamental, entretanto, promover, em âmbito nacional no Brasil, um conjunto de estudos estratégicos sobre recursos hídricos e energia, recursos hídricos e economia, água e saúde humana, água e mudanças globais, com a finalidade de promover visões e cenários de longo prazo que estimulem políticas públicas consolidadas. Deve-se ainda considerar o importante papel de dessalinização no abastecimento de cidades das regiões litorâneas e mesmo em lagos salinos do interior do Nordeste, tornando disponível mais água para a população. Essa é uma das soluções que poderão tornar-se viáveis após a tecnologia a desenvolver tornar o custo da dessalinização mais acessível. Quanto às transposições, mais especificamente a transposição do Rio São Francisco, é importante considerar que somente um projeto conjunto de revitalização do rio (e despoluição) e um grande projeto de desenvolvimento regional poderão ser a base para a transposição (Tundisi et al., 2008). Conclusões
Uma abordagem de gerenciamento, pesquisa e elaboração de banco de dados a partir da bacia hidrográfica deve incluir uma valoração dos “serviços” dos ecossistemas aquáticos e dos recursos hídricos, uma capacidade preditiva baseada em um programa denso e tecnicamente avançado de monitoramento e um sistema adequado de governança de água com a finalidade de promover oportunidades de desenvolvimento regional e sustentável a partir da água disponível e da demanda. Gerenciamento integrado, preditivo com alternativas e otimização de usos múltiplos deve ser implantado no nível de bacias hidrográficas com a finalidade de descentralizar o gerenciamento e dar oportunidades de participação de usuários, setor público e privado. Educação da comunidade em todos os níveis e preparação de gestores com novas abordagens é outro necessário desenvolvimento da gestão de recursos hídricos no século XXI.
José Galizia Tundisi é presidente e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia, São Carlos-SP. @ – tundisi@iie.com.br Recebido em 8.7.2008 e aceito em 10.7.2008.
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